Caco Ciocler na Premiere de “Partida” com a atriz Drica Moraes. Foto: Fernando Machado
No último sábado (14), aconteceu a primeira exibição do documentário “Partida” no Festival do Rio, que conta com a direção do ator Caco Ciocler e roda em torno da atriz Georgette Fadel, que diante do resultado da última eleição presidencial do Brasil em 2018 decide se candidatar a presidência do país em 2022, e para isso, a atriz decide viajar ao Uruguai para ter um encontro com a sua maior referência política, o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, no réveillon de 2018 para 2019.
Para incrementar ainda mais a viagem, Caco e Georgette junto com mais seis pessoas viajam de ônibus ao nosso país vizinho. E nessa viagem, acaba rolando de tudo, desde divergências políticas e incidentes como falha no cartão de gravação da câmera.
Com isso, nós entrevistamos o ator que está atualmente na novela “Éramos Seis” para falar um pouco do documentário e contar como foi o processo de filmagem e da ideia da gravação.
OA – Como foi a dirigir Partida?
Caco – “Partida foi uma ideia, um experimento que eu queria transformar em filme. Nesse sentido, talvez o mais difícil tenha tenha sido tudo o que antecedeu a gravação em si, todo o processo de formação dessa trupe que seria ao mesmo tempo a técnica e personagens. A gente não tinha patrocínio, produção, não tínhamos como oferecer nada, cada um que chegava vinha com uma demanda diferente, um conteúdo diferente, ideias diferentes, um estilo…Ao mesmo tempo o processo de formação desse time é que foi construindo as possibilidades narrativas, preparando os conflitos. Mas embarcamos nesse ônibus sem nem nos conhecermos a todos e não fazíamos a menor ideia do que viveríamos. Tudo era possível. Depois vieram as crises durante a viagem, o tédio, a sensação de que nada estava acontecendo e a certeza de que não tínhamos nada de interessante nas mãos. Eu não queria que minha condução como diretor ficasse evidente, não queria assumir esse papel, o personagem diretor, sabe? Então o difícil foi conduzir fingindo que não estava conduzindo. Eu tinha na manga umas quatro ou cinco ideias de situações e as coloquei em prática parecendo improvisos. Mas queria que tudo acontecesse naturalmente. Todas as tentativas de forçar alguma discussão foram horrorosas. Ao mesmo tempo eu sabia que Georgette podia ir para qualquer lugar a qualquer instante, inclusive ficcionalmente, sem que ninguém percebesse.A ideia era essa, façam o que quiserem e não me importa se for de verdade ou de mentira, desde de que eu acredite. Nesse sentido, o filme só aconteceu na ilha de edição.”
OA – Como surgiu a ideia do roteiro do documentário e a importância do mesmo para o nosso cenário atual?
Caco – “Eu tinha já esse sonho de fazer uma viagem de carro para o Uruguai para tentar passar o ano novo com o Mujica. Sempre ouvira a lenda de que ele morava num sitio e recebia as pessoas. Quando Georgette começou com esse papo de querer se candidatar à presidência de república, por conta do desespero que estávamos vivendo pré eleições, ainda que num tom ficcional, achei que seria a companheira ideal para a viagem. A ideia inicial era ela ir dirigindo e eu filmando a construção de seu pensamento politico durante o percurso, culminando ou não num encontro com o Mujica. A maioria de nós estava muito confusa e me interessava construir um pensamento politico embasado, afinal vivíamos discutindo politica sabendo tão pouco, brigando com amigos e parentes nas redes sociais. Eu só queria aprender a pensar politica e estava muito curioso pelo pensamento da Georgette. Logo veio a ideia de um filme e, portanto, a necessidade de um bom sonoplasta, uma outra câmera, e logo um carro só não daria conta. Depois vieram as demandas das namoradas, a filha de uma das câmeras que precisava estar com a mãe, e logo dois carros também já não dariam mais conta. Então veio a necessidade de um ônibus e vieram os outros, alguém para dirigir, alguém para logar o material, uma espécie de antagonista, para a viagem não ficar tão uníssona. E partimos assim, com o time que conseguimos juntar, sem saber o que viveríamos durante a corrida viagem e nem se encontraríamos ou não nosso destino.”
OA – Durante a produção, você encontrou dificuldades para realiza-lo?
Caco – “As dificuldades não paravam. Como disse, nós não tínhamos produção, cada nova demanda que aparecia, cada particularidade e necessidade dos integrantes que se achegavam tinham que ser resolvidas e incorporadas à dinâmica da trupe. Mas ao mesmo temo ia virando a própria história da trupe, o que era bonito e incorporado de alguma maneira ao roteiro que a gente não tinha. Tecnicamente as dificuldades eram enormes. Seria um filme todo dentro de um ônibus , super barulhento, o motor, o vento, a falta de ar condicionado…Não tínhamos microfone lapela para todo mundo e tudo podia acontecer a qualquer momento. É nesse sentido que falo sobre minha condução invisível. Todos os dias antes de partirmos eu combinava com o Vasco, nosso sonoplasta, em quem ele colocaria os dois microfones porque intuía que aconteceria alguma coisa interessante ou porque provocaria situação com eles. Mas nada era garantido, tudo podia acontecer. Muitas vezes discussões interessantes começavam sem as câmeras estarem ligadas ou sem os envolvidos estarem microfonados, então eu tinha que interromper e começar outra vez quando tudo estivesse pronto. Isso foi criando um jogo interessante entre documentário e ficção ão que acabou sendo muito explorado no filme. Para as câmeras tamb´´m era um desafio, um filme todo em movimento, apenas com luz natural e eu queria que as câmeras não fossem apenas testemunho mas criassem junto comigo uma linguagem, uma opinião sobre aquele micro universo em que estávamos todos inseridos.
OA – Comparando com o cenário político atual, você tem medo que a Partida sofra resistência por parte dos conservadores?
Caco – “Partida cria um micro universo ambulante que reproduz um embate bastante fiel ao momento que vivíamos naquele final do 2008. Eu não escolhi os personagens, não dirigi os atores no sentido de dizer o que eles tinham que dizer, não existia roteiro, falas…A única coisa que pedi é que fossem co-autores, que criassem situação relevantes, nem que para isso tivessem que usar um pequena película ficcional que os ajudasse a grifar traços nem sempre louváveis de suas personalidades. Então, o embate que acontece no filme é a reprodução de um tipo de embate que acontecia fora daquele ônibus. Minha grande curiosidade era saber o que aconteceria quando as intermináveis discussões se esgotassem, o que veria depois? E o que veio foi afeto. Então eu ia achar uma burrice se esse filme sofresse resistência seja lá de quem for, porque o grande exercício foi justamente o de vencer a resistência mútua entre esses dois grupos que partiram o Brasil e tentar dar-lhes voz e alguma convivência.”
OA – Partida marca o seu segundo trabalho como diretor. Até o momento você só dirigiu documentários. Você também pretende dirigir longas-metragens e até mesmo produções para TV?
Caco – “Na verdade partida foi meu meu terceiro filme. O primeiro foi um curta metragem documental, TRÓPICO DE CÂNCER, que ganhou o festival do minuto. Já o longa ESSE VIVER NINGUÉM ME TIRA foi uma encomenda da produtora Cinegroup. Fui contratado para dirigi-lo. PARTIDA é meu primeiro longa autoral e já flerta de alguma maneira com a ficção. No inicio do ano dirigi dois dos oito episódios da segunda temporada da série UNIDADE BÁSICA para a Universal Channel, na qual sou também protagonista. Portanto o exercício em dirigir ficção já começou, e tenho muita vontade de me aprofundar ele. Sim, quero muito dirigir um longa ficcional.“
OA – Entre dirigir e atuar, qual é o mais difícil para você?
Caco – “Na teatro prefiro atuar. No audiovisual prefiro dirigir. Acho o trabalho do ator no audiovisual extremamente difícil e sempre violentado, violado. Isso não é uma critica, também sou obrigado a violar o trabalho dos atores quando dirijo, é uma constatação, uma característica mesmo da linguagem. Mas que ainda me machuca.”