A pandemia da COVID-19 trouxe grandes mudanças no modo de viver da humanidade. Habituados a uma vida de intensa atividade social, de uma hora para outra passamos a ter que restringir nossas interações presenciais e, em muitos casos, limitar nosso mundo ao espaço doméstico e das telas para continuar vivendo.
Com os grupos de teatro, não foi diferente: o Maracujá Laboratório de Artes tinha grandes planos para 2020, ano em que pandemia começou. Era o ano de comemoração de 15 anos da companhia e a ideia era estrear um novo espetáculo infantil presencial. Além disso, o grupo continuaria com a circulação de outros espetáculos de seu repertório, que já tinham agenda fechada para várias apresentações. Porém, a interrupção das atividades presenciais impossibilitou a continuidade dessas ações por um longo período.
Confinado em sua casa, o diretor e fundador do grupo, Sidnei Caria, voltou a pesquisar obras literárias que pudessem ser adaptadas para o público infantil e que dialogassem com as diversas técnicas e pesquisas feitas pelo Maracujá, uma constante na história do grupo, que já adaptou diversos livros para o palco (como As Aventuras de Bambolina, Rabisco – um cachorro perfeito e Nerina, a ovelha negra, os três do autor Michele Iacocca, e O Buraco do Muro, espetáculo que faz uma viagem por diversos clássicos da literatura mundial, como Moby Dick, Dom Quixote e Alice no País das Maravilhas).
Porém, desta vez, esta pesquisa teria um diferencial: o público veria a peça através de transmissões on-line e ela teria que ser toda feita na própria casa do diretor (que, além disso, também é a sede oficial do Maracujá Laboratório de Artes). Além disso, o grupo deveria continuar sua pesquisa estética relacionada à plasticidade visual da cena, buscando trazer para esta proposta as pesquisas com puppet toys, vídeo cenários, teatro físico, teatro de sombras e animação de bonecos já utilizadas em trabalhos anteriores.
Foram estas as premissas que levaram o Maracujá até a obra As viagens de Gulliver, romance do irlandês Jonathan Swift escrito em 1726. O livro, escrito em primeira pessoa, conta a história de Lemuel Gulliver, cirurgião e capitão do mar que viaja pelos confins do mundo e relata quatro de suas aventuras extraordinárias: a primeira (e mais conhecida delas) narra a passagem de Gulliver por Lilliput, país onde todos têm 15 cm de altura, e onde o narrador acaba se tornando conhecido como “Homem Montanha”, por seu tamanho imenso em relação aos demais habitantes, o que não o impede de ser mantido preso por eles no local. Esse confinamento forçado dá a ele a chance de observar todas as mesquinharias e contradições no modo de viver dos liliputianos, chegando ao ponto em que Gulliver é convidado a tomar parte em uma guerra que já dura 36 anos entre Lilliput e a ilha de Blefuscu. E quais as motivações para tal conflito? Uma simples divergência de opinião entre qual ponta do ovo deve ser quebrada primeiro.
Apesar de As viagens de Gulliver ainda retratar mais três países, o grupo optou por focar nesta primeira etapa – Lilliput, considerando que tudo nessa parte da história se encaixa perfeitamente com os interesses de pesquisa do Maracujá: é uma narrativa bastante conhecida, riquíssima em fantasia e que proporciona uma enorme possibilidade de exploração do lúdico e da diversão, essenciais para espetáculos voltados ao público de todas as idades, e que possibilita criar também momentos para refletir e questionar nossa própria condição humana.
A adaptação do diretor e dramaturgo Sidnei Caria optou por adequar todas as técnicas que o grupo já utilizava em seus outros espetáculos à linguagem das telas, mas mantendo o caráter artesanal que o Maracujá sempre imprime em suas experimentações audiovisuais no palco. A diferença de tamanho entre o protagonista e os habitantes locais possibilitou a elaboração de uma rica cenografia construída a partir da técnica de puppet toys, onde miniaturas parecidas com brinquedos recriam Lilliput, com castelos, casas, seus habitantes e animais. A peça também mescla vídeo cenários que recriam o ambiente do mar, e o teatro de sombras é utilizado em vários momentos. E tudo isso foi construído no próprio quarto do diretor, que se tornou literalmente Lilliput, com paredes pintadas com cenários e todos estes elementos espalhados pelo chão, refletores no teto, entre outros recursos.
Porém, a adaptação de Caria não se limitou a retratar a história de Gulliver. Como forma de criar uma nova sensação relativa a esses universos fantásticos e conectá-los ao espaço da casa, onde o espetáculo surgiu, a peça se vale da metalinguagem (recurso já explorado em Rabisco – um cachorro perfeito), apresentando, além do personagem Gulliver (vivido pelo ator Silas Caria), que vive todas as aventuras em Lilliput, um narrador mais velho (vivido pelo diretor Sidnei Caria), que, de sua casa, narra todos estes acontecimentos, fazendo conexões entre situações cotidianas que ele vivencia em sua residência com situações vividas por Gulliver, que podem ser lembranças, sonhos ou sua própria imaginação de leitor. Durante essas inflexões o velho narrador circula por diversos espaços da casa – sala, cozinha, escadas, quintal, misturando a realidade à ficção, trazendo também a casa como personagem da história e elemento de ligação entre toda a narrativa. Para este último aspecto, a Poética do Espaço, do filósofo Gaston Bachelard contribui com as amarrações finais.
O espetáculo “Sonhei que era Gulliver” foi contemplado com o ProAC LAB 52, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, que possibilitou sua montagem e a realização de 12 sessões gratuitas, transmitidas nas redes sociais do Maracujá Laboratório de Artes. Além disso, também gerou toda a cenografia, figurinos e roteiro para sua realização presencial posteriormente. Por fim, ainda como parte das ações previstas pelo projeto, o diretor, dramaturgo e ator Sidnei Caria também realizará um workshop-palestra gratuito, onde apresentará aos participantes um pouco do percurso de criação do espetáculo.
Sinopse
Dentro de sua casa, um velho viajante revive, em seus sonhos e lembranças, sua estranha experiência pelas terras de Lilliput, um lugar onde todos – menos ele – são minúsculos e vivem em guerra com a ilha de Blefuscu por causa de uma divergência na forma de quebrarem os ovos. Ficção ou realidade? Sonho ou lembrança?
Inspirado pelo livro “Viagens de Gulliver”, obra-prima do irlandês Jonathan Swift, pela quarentena causada pela pandemia da COVID-19 e pela Poética do Espaço, de Gaston Bachelard, o premiado grupo Maracujá Laboratório de Artes criou o espetáculo “Sonhei que era Gulliver”: uma peça para todas as idades que utiliza o teatro narrativo, teatro de sombras, teatro físico, vídeo cenários e puppet toys para reler, de forma lúdica, as deliciosas críticas à sociedade e à natureza humana retratadas pelo escritor em seu livro, tendo como espaço cênico a casa dos atores da peça (que também é a sede do Maracujá Laboratório de Artes), misturando ficção e realidade no percurso criativo.
Ficha Técnica
Espetáculo baseado no livro “Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift
Adaptação, Concepção e Direção: Sidnei Caria
Assistência de Direção: Camila Ivo
Elenco: Sidnei Caria e Silas Caria
Elenco (apoio técnico): Tetê Ribeiro
Trilha sonora e efeitos: Piva Silva
Músicas Originais: Piva Silva e Sidnei Caria
Arranjos: Piva Silva
Direção de Arte: Sidnei Caria
Cenário: Sidnei Caria
Bonecos e adereços: Sidnei Caria e Silas Caria
Figurinos e pintura de bonecos: Tetê Ribeiro
Iluminação: Sidnei Caria e Camila Ivo
Soluções Técnicas Audiovisuais: Sidnei Caria e Silas Caria
Edição de imagens: Camila Ivo e Sidnei Caria
Edição de áudio: Piva Silva
Produção, Design Gráfico e Transmissão: Camila Ivo
Fotografias: Divulgação Maracujá
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Produção: Maracujá Laboratório de Artes e Laboratório de Artes Produções
Serviço
Espetáculo: Sonhei que era Gulliver
18 a 28 de novembro de 2021
Quintas e sextas-feiras às 19h
Sábados e domingos às 16h e 19h
Gratuito
Duração: 35 minutos
Exibição nos seguintes canais:
Facebook e Youtube do Maracujá Laboratório de Artes
https://www.facebook.com/maracujaartes
https://www.youtube.com/c/maracujalaboratoriodeartes
Workshop-Palestra: O processo de criação do espetáculo Sonhei que era Gulliver
25 de novembro (quinta-feira) das 19h45 às 21h45
Com Sidnei Caria, diretor, ator e dramaturgo do espetáculo
Gratuito
Público-alvo: maiores de 16 anos, estudantes de teatro, professores e interessados em geral.
Inscrições até 25 de novembro de 2021, no link: https://bit.ly/workshopgulliver
Serão disponibilizados certificados aos participantes.
O workshop-palestra proporcionará aos participantes uma interação online com o diretor, ator, diretor de arte e dramaturgo do espetáculo Sonhei que era Gulliver, Sidnei Caria, que mostrará detalhes do processo criativo, técnicas utilizadas, soluções cênicas audiovisuais, entre outros aspectos do trabalho.
Sidnei Caria tem mais de 35 anos de carreira, sendo a maior parte deles voltado ao teatro para todas as idades. Participou do grupo XPTO como ator de 1985 a 2002. Trabalhou com diretores renomados como Roberto Lage, Celso Frateschi, Maria Alice Vergueiro, Cristiane Paoli-Quito, Ariela Goldman, Cris Lozano, Maria Thais, Hugo Possolo. Foi ator, diretor e diretor de arte na cia Pia Fraus (2005 a 2011). Participou do FITO – Festival de Teatro de Objetos em várias capitais brasileiras. É um dos protagonistas da série infantil “Que monstro te mordeu?”, de Cao Hamburger. Dirige o Maracujá Laboratório de Artes, grupo que fundou em 2005, onde desenvolve pesquisas e trabalhos em dramaturgia, direção, criação e confecção de bonecos, adereços, figurinos e cenários dos espetáculos do grupo. Recebeu prêmios APCA, FEMSA, PANAMCO, Mambembe, entre outros, por diversos espetáculos em sua carreira como ator, diretor, cenógrafo e dramaturgo.
Mais informações sobre o Maracujá Laboratório de Artes
O nome Maracujá Laboratório de Artes foi escolhido pelo grupo porque resume sua proposta artística: a escolha pela “fruta da paixão” foi inspirada por um pé de maracujá que existia na sede da companhia, e representa a paixão do grupo em pesquisar novas possibilidades a cada trabalho, mesclando sempre diversas linguagens para tentar criar espetáculos tão singulares quanto sua flor, de beleza única. As palavras Laboratório de Artes reforçam essa vocação do grupo em ser um espaço de experimentação artística, que se inspira na contemporaneidade para suas criações.
Fundado em 2005 por Sidnei Caria com a participação e apoio dos atores e bonequeiros Lucas Luciano, Silas Caria e Tetê Ribeiro, agregando posteriormente a produtora e atriz Camila Ivo em 2010, o Maracujá Laboratório de Artes vem consolidando desde então uma trajetória voltada à pesquisa em teatro para todas as idades e caracterizada por uma constante busca de seus integrantes em desenvolver experimentações em linguagens e técnicas variadas (teatro físico, teatro de animação, audiovisual, teatro de sombras, música, artes plásticas) com o objetivo de romper fronteiras entre as diversas linguagens artísticas, criando espetáculos que misturam diferentes referenciais estéticos ao mesmo tempo em que trazem ao público questionamentos pertinentes a realidade da criança atual. O grupo também atua nos bastidores, desenvolvendo cenografia, adereços, figurinos e bonecos para diversos grupos teatrais e eventos.
O Maracujá Laboratório de Artes já realizou seis montagens: a coprodução As Aventuras de Bambolina, em parceria com a Pia Fraus Teatro (2008), Rabisco – um cachorro perfeito (2010), O Buraco do Muro (2013), E.Terra (2014), SPon SPoff SPend (2015 – espetáculo adulto) e Nerina – a ovelha negra (2017) e agora estreia seu mais novo espetáculo: Sonhei que era Gulliver, um espetáculo online que em 2022 deve ganhar sua versão presencial.
O grupo já foi contemplado com diversos editais, como FUNARTE Myriam Muniz, CAIXA Cultural, SESI (Arte Educação, Viagem Teatral e Territórios da Arte), Prêmio Zé Renato, ProAC, entre outros. Participou de eventos como Virada Cultural, Mostra Melhores do Ano – São Paulo, Circuito São Paulo de Cultura, Circuito Paulista de Artes, Mostra SESC de Teatro de Animação e Festivais como FIT Rio Preto, Festival Internacional de Teatro de Curitiba, FitaFloripa, FILO (Festival de Teatro de Londrina), Festival de Férias do Teatro Folha, Festival Internacional de Teatro de Bonecos de Belo Horizonte, FENTEPP (Festival de Teatro de Presidente Prudente), Festival de Arte para Crianças, entre outros.
Participou da fundação do Galpão dos Lobos, um espaço cultural formado por companhias paulistanas de teatro para todas as idades, que recebeu menção honrosa do Prêmio APCA em 2017, pelo espaço de formação e resistência inaugurado no bairro do Ipiranga para o público de todas as idades.
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